KATHA UPANISHAD - PARTE 3: AS GRANDES TENTAÇÕES

20.10.23 01:46 PM By Curitiba Centro Ramakrishna Vedanta

Autor: Swami Prajnatmananda

Publicado em 04/02/2023

Este artigo é a transcrição de uma palestra ministrada pelo Swami Prajnatmananda

Upanishad, Katha Upanishad

Parece que todas as grandes personalidades têm que enfrentar tentações dos prazeres terrenos e celestiais antes de atingir o Altíssimo. Gostaria de lembrá-lo das tentações enfrentadas por Jesus Cristo que encontramos na Bíblia Sagrada.

 

Jesus Cristo permaneceu em solidão no deserto imediatamente após o seu batismo por João Batista. Conduzido pelo Espírito Superior ao deserto, Jesus permaneceu lá por quarenta dias em jejum. Ele vive entre as feras e os anjos se comunicaram com ele. No final deste período, Satã tentou Jesus três vezes, procurando que ele comprometesse seu amor por Deus, e Jesus rejeitou esses ataques.

 

Satã transformou pedras em pão e tentou Jesus em jejum. Jesus rejeitou e disse: " Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus." 

 

Então Satã tenta Jesus a saltar do pináculo do templo, dizendo: “Se tu és o Filho de Deus, lança-te dali. Porque, está escrito: Ele dará aos seus anjos o comando de ti, para te salvar. E em suas mãos eles te sustentarão, para que em nenhum momento tu batas o teu pé contra uma pedra. "(Lucas 4: 9–13 citando Salmos 91:12.) Mais uma vez, Jesus manteve sua integridade e respondeu citando as escrituras: "Não porás à prova, o Senhor, teu Deus."

 

Para a tentação final, o Satã leva Jesus a uma montanha muito alta, de onde podem ser vistos todos os reinos do mundo. Satã diz: "Todas essas coisas eu darei a você se prosternar e me adorar. Jesus responde: “Afasta-te, Satã! Está escrito: 'Adorarás ao Senhor, teu Deus, e só a ele servirás.'” (Deuteronômio 6:13 e 10:20). 

 

Então Satã deixou Jesus "até nova oportunidade". Assim, no deserto, o humilde Jesus triunfou sobre o mal por seu amor a Deus.

 

Essas histórias são para nos lembrar que todos nós teremos que enfrentar tentações, mesmo que estejamos prestes a ter a maior realização. Essas tentações são causadas pela identificação com nossos planos físico e mental. Em outras palavras, se não nos identificamos com os sentidos e nos identificamos com o espírito, não somos afetados por essas tentações. É neste contexto que nos vem à mente a grande palavra de ordem da República Americana: “Vigilância eterna é o preço da liberdade”. Nessa máxima, a palavra liberdade se refere à liberdade do país. Mas, vigilância constante é necessária para ter a liberdade da alma individual também. É um aspecto importante na vida de todo aspirante. Então, precisamos dar mais atenção a este tópico.

 

Agora, consideremos a Tentação de Buda pelo demônio Māra. Nos textos budistas, Māra é descrito como "a personificação das forças antagônicas à iluminação". Mara primeiro ameaçou Buda assumindo formas diabólicas e falhou. Em seguida, enviou suas três filhas para tentar Buda de uma maneira agradável. Elas são identificadas como Tahā-- Sede, Arati--Aversão e Descontentamento, e Rāga-- Apego, Desejo, Ganância, Paixão. Buda não se rendeu a nada disso e atingiu a iluminação. 

 

Existem muitos episódios de tentação na mitologia hindu, Puranas. Gostaria de abordar alguns deles, pois são  interessantes e educativos.

 

i) Madana ou Manmatha é o deus do cupido na mitologia hindu, Puranas.  Quando o Grande Deus Shiva estava meditando, Manmatha, tentou distraí-lo.  Shiva abriu seu terceiro olho, o olho do conhecimento; e Manmatha foi queimada em cinzas.  A esposa de Manmatha, Rati, caiu aos pés de Shiva e orou para trazer de volta seu marido à vida.  Shiva concedeu seu desejo; mas com uma condição.  Manmatha voltaria à vida apenas para ela.  Isso significa que só ela podia vê-lo.  Outros não podem vê-lo.  É por isso que o deus do cupido é invisível. 

 

ii) Existiram dois grandes sábios chamados Nara e Nārāyana. O rei dos deuses, Indra, sempre tevereceio daqueles que realizam grandes austeridades e meditações. Ele teme que os outros possam ocupar sua posição praticando austeridades. Então, ele enviou donzelas celestiais para perturbar a meditação deles por meio de música, dança, etc. Os sábios Nara e Narayana entenderam os desígnios malignos de Indra. Eles queriam dar uma lição a Indra. O sábio Nara bateu em sua coxa e uma donzela primorosamente bonita chamada Ūrvashī apareceu. Vendo sua beleza e graça, as donzelas enviadas por Indra se envergonharam e baixaram a cabeça, e desapareceram no céu sem sucesso. Os sábios Nara e Narayana enviaram Urvashi como um presente ao rei dos deuses. Pode-se muito bem imaginar o evidente constrangimento de Indra! Sendo assim, nada poderia provocar aqueles grandes sábios Nara e Narayana que eram inseparáveis.

 

Aqui podemos lembrar da vida de Swami Vivekananda, quando Sri Ramakrishna teve uma visão na qual foi ao reino dos sábios na forma de uma linda criança. Muitos sábios estavam em meditação profunda; e Sri Ramakrishna chamou um deles para descer à terra a fim de remover as misérias humanas, transmitindo-lhes o autoconhecimento. O sábio concorda em descer ao plano humano e nasceu como Narendra. Quando Sri Ramakrishna viu Narendra, ele imediatamente o reconheceu como o sábio Nara. Quando Narendra visitou Dakshineshwar e encontrou o Mestre, com lágrimas de felicidade, ele disse: “Você chegou tão tarde! Isso foi adequado? Meus ouvidos quase queimaram ao ouvir conversas mundanas. Eu estava esperando por você. Eu sei que você é o sábio Nara, a encarnação de Deus Narayana. Você veio à terra para tirar os sofrimentos e as dores da humanidade”.

 

Um dia Sri Ramakrishna tocou Narendra e o colocou em transe para lhe fazer algumas perguntas. Então ele obteve a confirmação de que era o mesmo sábio Nara. Sri Ramakrishna disse a alguns de seus discípulos que, no momento em que Narendra viesse a saber sobre sua verdadeira natureza, ele não mais permaneceria neste plano terreno. Esta é a razão pela qual descobrimos que Swami Vivekananda sempre esteve em um plano espiritual elevado e cheio de desapego ou renúncia. De acordo com Sri Ramakrishna, Swami Vivekananda era o sábio Nara entre aqueles dois grandes sábios, Nara-Narayana.

 

Cristo ou Buda não podem ser superados por Satã ou Mara. No entanto estes perversos permaneceram assim para sempre. Mas, os sábios Nara e Narayana ensinaram uma lição a Indra, que tentou tentá-los.

 

iii) Na Índia antiga, havia um grande rei chamado Yayāti. Dēvayāni, a filha do sábio Shukrāchārya, se apaixonou por ele. Com a permissão de Shukracharya, eles se casaram. O rei Yayati cometeu um erro e o sábio Shukracharya o amaldiçoou para que ele perdesse a juventude. Yayati se desculpa e Shukracharya se acalma e diz que pode trocar sua velhice pela juventude de qualquer pessoa disposta. Yayati troca sua velhice pela juventude de um de seus filhos, Puru. Depois de aproveitar a vida por mais algum tempo, Yayati retorna a juventude a Puru. Depois disso o rei Yayati fez uma declaração que ficou famosa:…

na jātu kāmah kāmānām upabhogena sāmyati;

havishā krishnavartmeva bhūya evābhivardhate 

“Os desejos nunca são satisfeitos pelo gozo dos desejos; ou seja, eles apenas flamejam cada vez mais como fogo com manteiga.”  Portanto, uma pessoa inteligente deve sempre se proteger das tentações.  Depois disso, o rei Yayati entregou seu reino a seu filho Puru e se retirou para a floresta como um eremita. Esta história ocorre em detalhes no grande épico Mahabharata.

 

Em outro grande épico, Ramayana, encontramos a menção de Hanuman, um super macaco e um grande herói que ajudou Sri Rama a matar o rei demônio Ravana.  Hanuman entrou furtivamente no palácio de Ravana e roubou uma arma mágica.  Essa arma deveria ser usada por Rama contra Ravana para matá-lo. A fiel esposa de Ravana, Mandodari, tentou tentá-lo com vários frutos pensando que ele é um macaco comum.  Hanuman ri dela e canta da seguinte forma:

 

Tenho necessidade de frutas?

Ja tenho a Fruta, que torna esta vida, realmente frutífera|

 

Dentro do meu coração, a árvore de Rama cresce|

Dando a salvação como sua fruta||

 

Sob a Árvore que satisfaz os Desejos, de Rama, sento-me à vontade|

Colhendo qualquer fruta que desejo|

Mas se você falar de fruta—Pedinte não sou, de frutas comuns||

 

Hanuman nunca poderia ser enganado ou distraído enquanto estava envolvido no cumprimento da missão de seu Mestre, Sri Rama.

 

Você deve se lembrar da história da jovem Nachiketa que aparece em Katha Upanishad. Yama disse a Nachiketa para pedir três bênçãos.  Nas duas primeiras bênçãos, ele manteve em mente seu pai e a humanidade. Nachiketa não era ascético. Ele sabia que a maioria das pessoas na terra gostaria de ir para o céu. Até mesmo algumas religiões organizadas pregam o céu como o objetivo final da vida humana. Mesmo na religião hindu, durante o início do período védico, alcançar o céu era considerado o objetivo da vida humana. Então, ele pede os detalhes de um sacrifício que nos levará ao céu como a segunda benção.  Yama o ensina sobre esse sacrifício.  


Então Nachiketa diz, “Há uma pergunta difícil: quando um homem morre, alguns dizem que sim, outros que não. Instruído por você, desejo entender sobre isso. Este é o terceiro dos benefícios.”  Esta questão foi como uma bomba para Yama. Ele não esperava tal pergunta de um menino. Como surgiu a ele uma indagação tão complexa? Essa dúvida também surge em nossas mentes. Todos nós já vimos crianças prodígio, que apresentam composições de música clássica como maestros talentosos, ou  fazendo cálculos matemáticos muito complexos, ou ainda realizando posturas de Yoga muito avançadas. Da mesma forma, Nachiketa, possuidor de Shraddha ou fé em si mesmo, fez uma pergunta difícil a Yama.

 

Com respeito ao conceito de céu e dos prazeres celestiais, Swami Vivekananda opina: “Viver no céu não seria muito diferente da vida neste mundo. Na melhor das hipóteses, seria apenas uma vida de homem rico e muito saudável, com abundância de prazeres dos sentidos e com um corpo que não conhece doenças. Seria este mundo material apenas um pouco mais refinado; e vimos a dificuldade de que o mundo material externo nunca pode resolver o problema. Então, nenhum céu pode resolver o problema.Se este mundo não tem a solução do problema, nenhuma multiplicação deste mundo pode fazer isso. Porque, devemos sempre lembrar que a matéria é apenas uma parte infinitesimal dos fenômenos da natureza... Quão vasto é este mundo interno com suas tremendas atividades?! Os fenômenos dos sentidos são muito pequenos em comparação a ele. A visão deste céu encerra este engano. Insiste que todos os fenômenos estão apenas no tato, no gosto, na visão etc. Por isso essa ideia de céu não dava plena satisfação a todos”.

 

Nachiketa exibe esse espírito de investigação dos seres humanos. Yama tenta desencorajá-lo dizendo que é um assunto muito difícil até para os deuses. Então, é melhor ele não fazer essa pergunta. (Versículo 21) Nachiketa paga a ele na mesma moeda e diz: “Sim, é difícil até mesmo para os deuses entender. Um guru competente como você não está disponível em outro lugar. Portanto, devo pedir-lhe a explicação deste assunto intrincado da Verdade mais elevada”.

 

Yama ficou encantado com a determinada devoção do menino em saber a Verdade Suprema. Entretanto ele queria ter certeza de que era genuíno e não o produto de uma bravata ensaiada ou presumida.  Então, Yama tentou dissuadi-lo, atraindo-o por meio de várias tentações dizendo: “Peça filhos e netos centenários, muito gado, elefantes, ouro e cavalos. Peça uma vasta extensão da terra e viva quantos anos quiser. Peça algum outro benefício igual a este, como riqueza e longevidade. Ou ser rei da uma vasta terra. Nachiketa, farei com que você desfrute de todos os seus desejos relativos à terra e ao céu. Quaisquer que sejam os desejos difíceis de realizar na terra dos mortais, peça todos os objetos desejados. Essas ninfas com suas carruagens e alaúdes e mulheres como essas não são acessíveis aos mortais comuns. Elas irão atendê-lo. Oh Nachiketa, não pergunte sobre o segredo da morte.” (Versículos 23, 24 e 25)

 

Yama também tentou distrair e dissuadir Nachiketa para testá-lo. Porque este autoconhecimento supremo, ātmavidyā, deve ser transmitido apenas aos que tem mérito.  As seguintes palavras de determinação ditas por Nachiketa esclarecem esta dúvida de Yama:

 

•Essas alegrias do mundo são efêmeras, não duram muito.

• Além disso, esses prazeres desperdiçam virtude, força, inteligência, energia, preeminência, fama, etc.

• Os seres humanos não se contentam apenas com a riqueza. O dinheiro não pode comprar tudo.

•  Tendo alcançado a proximidade dos santos imortais e conhecendo os objetivos mais elevados e a inutilidade das coisas efêmeras, nenhum aspirante inteligente terá prazer nos prazeres terrestres.

 

• É tolice, pedir coisas insignificantes tendo encontrado o grande deus da morte.

 

Devemos nos lembrar do dito de Sri Ramakrishna: quando se encontra um Imperador, é tolice. pedir-lhe berinjelas.

 

Shankaracharya menciona a posição de Nachiketa como "inabalável como um grande lago" mahāhridavat akshōbhyamānah. Nachiketa, tendo dito a Yama todos os pontos acima, declara enfaticamente: “Eu não desejo nenhum outro favor--नान्यंतस्मात्नचिकेतावृणीत“.

 

Dessa forma, Yama, o deus da morte falhou em tentar Nachiketa. Yama não ficou desgostoso, ao contrário, ficou alegre e assumiu a posição de um professor espiritual, um Guru; e ensinou-lhe o Auto-conhecimento, ātmavidyā. Por meio desse conhecimento, Nachiketa alcançou a Auto-realização, o objetivo mais elevado da vida humana.

 

 (O estudo deste Upanishad continua no próximo post)  

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