Santa Mãe Sri Sarada Devi - parte 22

20.09.23 04:24 AM By Curitiba Centro Ramakrishna Vedanta

Maya da Mahamaya

Compilador: Swami Prajnatmananda

Publicado em 23/09/2023  -  22:00

Este artigo é a transcrição de uma palestra ministrada pelo Swami Prajnatmananda.

A Santa Mãe adorava estar na aldeia de Jayrambati. A atração da aldeia muitas vezes a retirou da metrópole de Calcutá. Ela sentia lá uma tranquilidade, naturalidade, alegria e liberdade que não encontrava em nenhum outro lugar. Ela suspirava de alívio sempre que saía de Calcutá para a vila de Jayrambati. Porque, em Calcutá, ela se sentia como um pássaro em uma gaiola. Na aldeia, ela era livre para fazer as coisas à sua maneira; enquanto em Calcutá seus movimentos eram regulados pelo relógio. Ela muitas vezes protestava contra as formalidades observadas na metrópole e um dia disse a um discípulo: “Em Calcutá, tenho que medir minhas palavras antes de pronunciá-las, caso contrário, as pessoas se ofenderiam. Estou muito melhor em Jayrambati. Eu digo claramente aos aldeões o que sinto, e eles também me respondem sem qualquer restrição. Não abrigamos nenhum mal-estar um pelo outro. Mas as pessoas de Calcutá ficam magoadas se eu me desviar até um pouco das formalidades”. A Santa Mãe era altamente respeitada por muitas pessoas famosas e bem-sucedidas. Eles vinham desde Calcutá até Jayrambati para receber instruções espirituais dela, mas ela era extremamente humilde. Por esta razão, até os aldeões a respeitavam. Certa vez, um dos colegas de escola do Mestre, Ganesh Ghosal de Kamarpukur, veio visitar a Santa Mãe. Quando ela estava prestes a se curvar para ele, ele protestou e disse: “Mãe, não é auspicioso se uma mãe se curva para o seu filho”. Ele em vez disso se curvou-se diante da Mãe e recebeu sua bênção.

 

Nós sabemos como a Santa Mãe serviu a um de seus tios, Nilmadhav, durante seus últimos dias até sua morte. Aqui está outro exemplo do serviço para seus parentes. No final de 1905, Brahmachari Girija foi até Jayrambati para receber iniciação, acompanhado de seu amigo Batu Babu. Prasanna era um dos irmãos da Santa Mãe. Brahmachari Girija descobriu que a esposa de Prasanna, Ramapriya, tinha contraído cólera. Não havia médico ou remédio disponível em Jayrambati naquela ocasião e Ramapriya sucumbiu à cólera. Suas duas filhas, Nalini e Maku, eram muito jovens. Prasanna estava então trabalhando em Calcutá e não havia ninguém para cuidar delas. Assim, a Santa Mãe assumiu a sua responsabilidade. Foi assim que, embora a Santa Mãe não tivesse filhos, ela voluntariamente aceitou a responsabilidade de criar os filhos de seus parentes, por pura compaixão. Mais tarde, a sempre graciosa Mãe deu iniciação espiritual a Brahmachari Girija, bem como ao seu amigo Batu Babu. É assim que a encontramos agindo como Mãe e Guru Espiritual.

 

A partir de 1909, sempre que a Santa Mãe vinha até Calcutá, ela ficava na Casa Udbodhan. Padmabinod era um estudante na escola onde Mahendra Nath Gupta, o cronista do “Evangelho de Sri Ramakrishna”, era o Diretor. Ele visitou Sri Ramakrishna algumas vezes e recebeu suas bênçãos. Sua casa ficava perto da residência da Santa Mãe, Casa Udbodhan. Em sua juventude, Padmabinod ingressou no teatro e se tornou um ator famoso. Com o tempo, ele se tornou um alcoólatra e teve dificuldades financeiras. Às vezes, na Casa de Udbodhan, ele visitava Swami Saradananda a quem chamava de “dosto”, que significa amigo. Certa vez, tarde da noite, Padmabinod estava bêbado e voltava para casa depois de uma peça de teatro. Padmabinod bateu na janela de Swami Saradananda gritando “dosto, dosto”. Swami Saradananda não respondeu e pediu aos outros que ficassem quietos. Porque a Santa Mãe morava no andar de cima e Swami Saradananda não queria que seu sono fosse perturbado. Depois de chamar algumas vezes, Padmabinod disse: “Dosto, eu vim e chamei você e você não respondeu”. Ele então foi embora. Outra noite Padmabinod voltou novamente num estado de embriaguez. Quando ninguém atendeu ao seu chamado, ele começou a cantar dirigindo-se à Santa Mãe com uma voz queixosa:

"Desperta, Mãe ! Abra sua porta.

Não consigo encontrar meu caminho no escuro;

Meu coração está cheio de medo.

Quantas vezes eu chamei seu nome ?

No entanto, bondosa Mãe, quão estranhamente você está agindo hoje !

Você está tendo um sono profundo em seu quarto

Deixando seu pobre filho sozinho do lado de fora.

Sou todo pele e ossos de tanto chorar: “Mãe, ó Mãe !”

Com tom, altura e ordem apropriados,

Usando todas as três escalas musicais, eu chamo tão alto, e ainda assim, você dorme !

É porque eu estava perdido no jogo, que você me evita agora ?

Olhe para mim com bondade e não voltarei a jogar novamente.

Para quem posso correr, saindo do seu lado ?

Quem, senão minha Mãe, suportará o fardo deste filho infeliz !"

 

Enquanto Padmabinod cantava na rua com toda sua alma, a Santa Mãe abriu uma de suas janelas. Quando Swami Saradananda ouviu o som das persianas da janela se abrindo, ele disse: “Ah, ele interrompeu o sono da Mãe !”. A Santa Mãe olhou para Padmabinod. Ele disse: “Mãe, então você se levantou. Você finalmente ouviu o chamado do teu filho. Agora, por favor, aceite minha saudação”. Dizendo isso, rolou na rua e pôs a poeira sobre sua cabeça. Swami Saradananda e Ashu o observavam através de uma veneziana. Enquanto se afastava, Padmabinod começou a cantar outra música:

"Adore minha preciosa Mãe Shyāmā ternamente no interior, ó mente

Que somente você e eu a contemplemos, não permitindo que mais ninguém se intrometa.

E certamente não meu dosto (amigo)”

 

Com ênfase, ele improvisou esta nova linha no final, referindo-se a Swami Saradananda, que não queria que ele perturbasse a Santa Mãe. No dia seguinte, a Santa Mãe perguntou sobre o bêbado Parmabinod e soube de sua história. Ela comentou: “Você notou a firme convicção dele ?”. Padmabinod voltou novamente outra noite. Quando a Santa Mãe o ouviu chamando, ela abriu sua janela. Vendo-a da rua, Padmabinod cantou a seguinte canção referente à Mãe Divina Sri Kali, cujo outro nome é Shyāmā, literalmente, ‘a de pele negra’:

"Ó Mãe Shyāmā, você ama os campos de cremação

Então, eu fiz do meu coração um campo de cremação,

e você dança ali.

O fogo ardente de uma pira funerária,

está queimando dia e noite.

E todos os meus desejos do coração são reduzidos a cinzas.

Agora revela-Te a mim.

Mãe, você colocou o Deus Shiva sob seus pés.

Eu quero ver sua dança rítmica, ó Mãe Shyāmā."

 

Na manhã seguinte, Ashu disse à Santa Mãe: “Mãe, Padmabinod está perturbando o seu sono”. Ela respondeu: “Está tudo bem, meu filho. Não posso me conter quando ele me chama dessa maneira”. Padmabinod parou de vir logo depois. Alguns dias depois, seu jovem filho veio dizer a Swami Saradananda que Padmabinod estava gravemente doente. Swami Saradananda providenciou seu tratamento. Padmabinod pediu a Ashu, que o estava atendendo, que lesse “O Evangelho de Sri Ramakrishna” para ele. Ashu abriu o livro e começou a ler a parte onde o nome de Padmabinod era mencionado. Ele costumava encontrar Sri Ramakrishna em Dakshineshwar. Enquanto Padmabinod ouvia, lágrimas escorriam de seus olhos. Repetindo o nome do Mestre, ele deu seu último suspiro. Seus amigos e parentes cremaram o seu corpo no campo de cremação Keodatala, no sul de Calcutá. Ashu voltou para a Santa Mãe e relatou tudo a ela. A Santa Mãe comentou: “Por que não deveria ser assim ? Certamente, ele era um filho do Mestre. Sem dúvida ele se cobriu de lama, mas agora ele voltou para os braços do Mestre de onde ele pertence”. É assim que a Santa Mãe derramava seu amor e bênçãos maternais sobre qualquer pessoa, mesmo em personagens estranhos e pouco familiares como Padmabinod.

 

A Santa Mãe estava totalmente desapegada dos assuntos mundanos e absorta no pensamento de Deus. Ela poderia abandonar seu corpo, se assim o desejasse. Mas Sri Ramakrishna tinha planejado amarrar sua mente com um forte apego, para que ela pudesse continuar sua missão divina neste mundo.

 

A Santa Mãe gostava muito de seu irmão mais novo, Abhay. Por algum tempo, ele morou com a família de Mahendra Nath Gupta e foi para a escola em Calcutá. Mais tarde, ele ingressou na Campbell Medical School (agora Nilratan Sarkar Hospital) e tornou-se amigo dos discípulos monásticos de Sri Ramakrishna. Swami Brahmananda o ajudou a comprar livros de medicina. Sobre Abhay, Swami Vivekananda comentou: “Eu não sabia que a Mãe tinha um irmão tão inteligente. Seus outros irmãos são meros sacerdotes, praticamente analfabetos, e sempre cobrando seus honorários sacerdotais”. Dois dos outros irmãos da Santa Mãe, Prasanna e Varada, viviam nessa época em uma casa alugada em Chorebagan, Calcutá, realizando serviços sacerdotais em casas particulares para sustentar suas famílias. Logo após obter seu diploma de médico, Abhay contraiu cólera. Swami Saradananda e Swami Prakashananda cuidaram dele. A Santa Mãe foi vê-lo em seus últimos dias. Ela se sentou ao lado de Abhay, segurou sua cabeça em seu colo e começou a acariciar seus cabelos. Abhay manteve os olhos no rosto da irmã e disse em tom queixoso: “Irmã, estou indo. Elas são deixadas para trás (significando, sua esposa e filha). Por favor, fique de olho nelas”. Abhay faleceu em 1899. A esposa de Abhay, Surabala, estava grávida naquela época e morava na casa de seu pai. Ela era uma senhora infeliz, tendo perdido a mãe quando era muito jovem. Agora, ela perdera o marido e pouco depois ela perderia sua avó e sua tia também, que a tinham criado. Ela desmoronou mentalmente sob a tensão de uma enorme dor. Em outubro de 1899, a Santa Mãe deixou Calcutá para Jayrambati e trouxe Surabala para ficar com ela. Em 1900, Surabala deu à luz uma menina a quem foi dado o nome de Radharani e era chamada Radhu ou Radhi. Como Surabala estava mentalmente doente, a responsabilidade de cuidar desse bebê, Radhu, também recaiu sobre a Santa Mãe. Em fevereiro de 1900, Swami Achalananda e uma devota chamada Kusum vieram de Varanasi para visitar a Santa Mãe. Kusum se ofereceu para cuidar do bebê e ficou em Jayrambati por cinco meses. Isso foi um grande alívio para a Santa Mãe. Durante este tempo a Santa Mãe contraiu cólera, mas se recuperou.

 

Em outubro de 1900, a Santa Mãe veio para Calcutá com seu tio Nilmadhav, Surabala, Radhu e a tia Bhanu, uma vizinha e amiga de longa data. Os devotos da Santa Mãe alugaram a casa em  Bosepara Lane nº 16, Baghbazar, em Calcutá, para sua família. Kusum continuou a cuidar de Radhu lá. Um dia a Santa Mãe disse a Surabala: “Veja, sempre se deve fazer alguma coisa. O trabalho mantém o corpo forte e a mente pura”. Ela disse à tia Bhanu: “Você se lembra ? Anteriormente, quando eu estava em Jayrambati, estava envolvida no trabalho doméstico dia e noite”. Isso ajudou a Santa Mãe a pensar em Deus o tempo todo e a servir aos outros em vez de simplesmente meditar sobre as fofocas da aldeia. A Santa Mãe pegou a mão de Surabala e disse: “Olhe, Golap está ocupada o tempo todo. Pode-se cortar o vínculo do apego realizando ações, e então vem o desapego. Não se deve viver sem realizar ações nem por um momento”. Então Surabala começou a fazer alguns trabalhos domésticos. Assim, a Santa Mãe administrava sua casa envolvendo até mesmo uma pessoa insana como Surabala.

 

Sri Krishna, era uma encarnação do Deus Vishnu, que veio para destruir os governantes perversos e estabelecer a justiça neste mundo. Diz-se que quando ele nasceu, ele tinha quatro mãos, como o Deus Vishnu, e armas para matar os demônios. Seus pais ficaram apavorados e pediram que ele retomasse a forma de um bebê normal. Então ele escondeu sua forma real com a ajuda de Yogamaya e retomou a forma de uma linda criança, Krishna. Sob o feitiço desta Yogamaya, a mãe adotiva de Sri Krishna o perseguia com uma vara quando ele fazia travessuras infantis. Se ela soubesse que ele era o próprio Deus Supremo, ela não seria capaz de vê-lo como uma mera criança e servi-lo como uma mãe. Aqui, Yogamaya é o poder ilusório de Sri Krishna. É também o poder ilusório que esconde a verdadeira natureza de Deus dos mortais comuns. Este poder de ilusão ou desilusão de Deus é chamado Mahamaya, Yogamaya ou apenas Maya. Os devotos consideram a Santa Mãe como ninguém menos que a Mãe Divina, Mahamaya. Mas seus parentes e muitos outros que entraram em contato com ela não conheciam sua natureza divina. A este respeito, a própria Santa Mãe disse o seguinte: “As coisas acontecerão como o Mestre determina. Deixe-me te contar algo. Sri Krishna brincava com os jovens vaqueiros, ria com eles, caminhava com eles e até comia os restos de seus pratos. Sabiam eles quem Ele era ?”. É interessante notar que a Santa Mãe ou Mahamaya caiu voluntariamente sob a influência de sua própria Maya, poder ilusório. Certa vez, em Jayrambati, a Santa Mãe narrou a seguinte visão que ela teve de Yogamaya para Kedar Datta (mais tarde Swami Keshavananda): após o falecimento do Mestre, senti que minha vida estava vazia. Eu estava orando ao Mestre, perguntando por que eu deveria manter meu corpo. De repente, em uma visão, vi uma menina de 10 ou 12 anos, vestida com um traje vermelho, movendo-se na minha frente. Imediatamente o Mestre apareceu, apontou para a menina e disse: “Tome-a como apoio e viva. Muitos buscadores espirituais virão até você”. No momento seguinte, ele e a garota desapareceram. Outra vez, eu estava sentada no mesmo lugar de frente para o oeste e vi Surabala, que estava totalmente louca, arrastando debaixo dos braços alguns xales de algodão e sáris, para o outro lado do pátio. Rastejando atrás dela estava Radhu, chorando. Enquanto assistia a essa cena, estremeci e meu coração foi perfurado por uma dor agonizante. Corri para Radhu e a segurei em meus braços. Eu pensei: “Ah! Quem cuidará da pobre se eu não o fizer ? Seu pai está morto e sua mãe insana”. Imediatamente, o Mestre apareceu e disse: “Esta é a garota que você viu antes. Tome-a como suporte. Ela é Yogamaya”. Assim que a Santa Mãe tomou Radhu em seus braços, maya entrou em seu corpo divino, significando que sua mente foi atraída para assuntos mundanos.

 

Ela disse a um monge: “Não havia maya em meu corpo antes do nascimento de Radhu. No exato momento em que peguei Radhu em meus braços, maya entrou em mim.” A vida da Santa Mãe tornou-se inseparavelmente entrelaçada com a de Radhu. Elas eram quase inseparáveis. A Mãe alimentou sua pequena sobrinha, vestiu-a, entreteve-a e colocou-a na cama. Para os de fora, ela parecia estar excessivamente apegada a Radhu. Um dia Swami Vishweshwarananda, um discípulo da Santa Mãe, perguntou a ela: “Mãe, por que você está tão obcecada por Radhu ? Dia e noite você fala de coisa nenhuma além da Radhu. Você parece estar terrivelmente enredada no mundo. Muitos devotos vêm até você e você não presta atenção a eles. E tal apego é bom para você ?”. A Santa Mãe já ouvira queixas semelhantes antes e sempre dizia com sua costumeira humildade: “Somos mulheres e sigo minha natureza feminina”. Mas desta vez ela respondeu com uma voz bastante animada: “Onde você vai encontrar outra pessoa como eu ? Tente descobrir e ver. Deixe-me te contar algo. Aqueles que constantemente contemplam a Realidade Suprema desenvolvem uma mente sutil e pura. Qualquer que seja o objeto que tal mente tome, ela se apega a ele com tenacidade; as pessoas consideram isso como apego. Quando um raio atinge uma construção, o clarão é visto nas vidraças e não nas venezianas de madeira”. Em outra ocasião ela comentou: “Este meu constante amor intenso por Radhu é uma forma de apego. Mas posso cortá-lo neste exato momento por meu mero desejo. Eu não faço isso apenas por compaixão. Como maya pode me prender ?”. As visões da Santa Mãe sobre Radhu deram a ela uma razão para viver e permitiram que ela retomasse sua vida ativa no plano normal. Risos e lágrimas fazem parte da vida humana. Todos os seres humanos encontram felicidade e tristeza. A Santa Mãe experimentou a dor da separação de seus entes queridos – seu marido, pai, tio, mãe, irmão Abhay, discípulo Yogananda, companheira Gopal-ma e outros. Mas ela continuou sua jornada para cumprir sua missão, segurando sua Yogamaya, Radhu, em seus braços. Mas isso não afetou em nada, sua calma decorrente da profunda espiritualidade.


(Continuaremos a narração da vida da Santa Mãe Sri Sarada Devi no próximo post)

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