Este artigo é a transcrição de uma palestra ministrada pelo Swami Prajnatmananda. Clique aqui para ver o vídeo
Existe um belo hino chamado Sri Gurvāshtakam. Gostaria de citar um verso desse hino:
sharīram surūpam sadā rōgamuktam|
yashashchāru chitram dhanam mērutulyam|
gurōranghripadme manashchēnnalagnam|
tatahkim tatahkim tatahkim tatahkim||
"Alguém tem um lindo corpo livre de qualquer doença. A fama é enorme como o Monte Meru. Mas tudo isso não tem valor se sua mente não estiver firmemente fixada com devoção aos pés de Guru."
Sri Ramakrishna nasceu em uma família virtuosa em um ambiente rural. Como resultado, ele tinha grande amor e devoção a Deus desde sua infância. A mais leve lembrança de Deus o levava ao estado de êxtase, mesmo durante sua infância. Um dia, ele caminhava por entre o arrozal, comendo arroz inflado que carregava em uma cesta pequena. Ele olhou para o céu e viu uma bela nuvem escura de chuva. À medida que a nuvem se espalhava rapidamente envolvendo o céu, uma revoada de garças brancas passou na frente dele. A beleza do contraste dominou o menino. Ele caiu no chão inconsciente, e o arroz inflado se espalhou por todos os lados. Alguns camponeses o encontraram nessa condição e o levaram nos braços para sua casa. Mais tarde, ele disse que tinha experimentado uma alegria indescritível naquele estado. A perda do pai o tornou ainda mais introvertido.
Sri Ramakrishna cresceu como um jovem relutante em relação à educação secular. Bem como negligente com a profissão familiar, o sacerdócio. Seu irmão mais velho conhecia seu amor pela adoração de deuses e deusas. Então, ele o trouxe para a cidade de Calcutá e lentamente confiou-lhe a adoração da Mãe Divina em um belo templo em Dakshineshwar.
Deus é humanizado no caminho do amor e da devoção. O devoto estabelece uma relação íntima com Deus, como fazemos com nossos parentes e amigos. Através dessa intimidade, ele atinge o Amor Supremo de uma forma muito natural. Aqui o devoto não precisa desistir de nada à força. Ele só precisa dar às suas propensões naturais uma direção mais elevada, que é Deus. No início, Sri Ramakrishna começou a adorar a Deus como sua própria Mãe. Ele recebeu o nome sagrado, mantra, sobre a Mãe Divina, de uma pessoa espiritual de sua época, Sri Kenaram Bhattacharya. A adoração de Sri Ramakrishna não era apenas uma adoração ritualística. Desde o início, o significado interior desses ritos foi revelado a Sri Ramakrishna. Enquanto ele se sentava em frente a imagem, uma estranha transformação acontecia em sua mente. Enquanto fazia as cerimônias prescritas, ele realmente se via cercado por uma parede de fogo protegendo a ele e ao local de adoração, de vibrações não espirituais. Ou ele sentia a ascensão da Kundalini mística através dos diferentes centros do corpo. O brilho em seu rosto, sua profunda absorção, e a atmosfera intensa do templo impressionaram a todos que o viram adorar a Divindade. A adoração no templo intensificou o anseio de Sri Ramakrishna por uma visão viva da Mãe do Universo.
À medida que seu amor pela Mãe Divina se aprofundou, ele começou a abandonar as formalidades da adoração. Sentado diante da imagem, ele passava horas cantando as canções devocionais de grandes devotos da Mãe. Ele sentiu as dores de uma criança separada de sua mãe. Às vezes, em momentos de ceticismo, ele chorava: "Mãe, a senhora é de verdade? Ou tudo é ficção - mera poesia sem qualquer realidade? Se a Senhora existe, por que eu não a vejo? Religião é uma mera fantasia? A Senhora é apenas uma invenção da imaginação do homem?" Ele quase não se alimentava; e o sono o deixou completamente. Mais tarde, ele narrou esta fase de sua vida da seguinte forma: "Eu senti como se meu coração estivesse sendo espremido como uma toalha molhada. Eu estava dominado com uma grande inquietação e um medo de que poderia não ter a sorte de realizá-la nesta vida. Não aguentava mais a separação dEla. A vida parecia não valer a pena ser vivida. De repente, meu olhar caiu sobre a espada que era mantida no templo da Mãe. Eu decidi acabar com a minha vida. Quando pulei como um louco e agarrei a espada, de repente a Mãe abençoada revelou-se. Os edifícios com suas diferentes partes, o templo e todo o resto desapareceram da minha vista, não deixando nenhum vestígio. E em seu lugar eu vi um oceano ilimitado, infinito e resplandecente de Consciência. Até onde os olhos podiam ver, as grandes ondas brilhantes estavam impetuosamente fluindo em minha direção, vindas de todos os lados... Fui pego pela agitação e desmaiei, inconsciente. O que estava acontecendo no mundo exterior eu não sabia; mas dentro de mim havia um fluxo constante de felicidade pura, completamente novo, e eu senti a presença da Mãe Divina." Quando ele recuperou a consciência do mundo exterior ele repetia constantemente a palavra "Mãe". Agora ele se sentia como um filho da Mãe Divina. Ele aprendeu a se entregar completamente à vontade dela e deixar que Ela o guiasse. Ele rezava constantemente: "Ó Mãe, eu me refugiei em Ti. Ensina-me o que fazer e o que dizer. Sua vontade é suprema em todos os lugares e é para o bem de Teus filhos. Absorva minha vontade em Tua vontade e faça-me Teu instrumento." A partir de então, a própria Mãe Divina o guiou através de muitos tipos de práticas espirituais.
Por exemplo, ele começou a adorar a Deus assumindo a atitude de um servo em relação ao seu mestre. Ele imitou os modos de Hanuman do épico Ramayana, o servo ideal de Rama e modelo tradicional para a forma de devoção singela. E depois de pouco tempo ele foi abençoado com uma visão de Sita, a consorte divina de Rama, que entrou em seu corpo e desapareceu com as palavras: "Eu te transmito meu sorriso."
Um devoto do Deus Rama, chamado Sri Jatādhari, veio a Dakshineshwar com uma pequena imagem do Deus Rama em forma de criança. Sri Ramakrishna se apaixonou pelo Rama criança ou Ramalala e começou a servi-lo como tal. "Mais tarde, ele descreveu aos devotos como a pequena imagem dançava graciosamente diante dele, pulava em suas costas, insistia em ser carregada em seus braços, corria para os campos no sol, arrancava flores dos arbustos e fazia brincadeiras como um menino travesso. Surgiu uma relação muito doce entre ele e Ramalala, por quem sentia o amor de uma mãe... Um dia Jatadhari pediu a Sri Ramakrishna para manter a imagem de Ramalala consigo e ele se despediu com olhos lacrimejantes. Ele declarou que Ramalala havia realizado sua oração mais íntima e que agora ele não tinha mais necessidade de adoração formal. Alguns dias depois, Sri Ramakrishna foi abençoado através de Ramalala com uma visão de Ramachandra. Por meio disso ele compreendeu que o Rama do Ramayana, filho de Dasaratha, permeia todo o universo como Espírito e Consciência. Ele é seu Criador, Sustentador e Destruidor. Em outro aspecto, Ele é o brahman transcendental, sem forma, atributo ou nome."
Depois disso, Sri Ramakrishna dedicou-se a escalar as alturas mais inacessíveis e vertiginosas da adoração dualista, ou seja, a união completa com Sri Krishna como seu Amado. Como passo inicial, ele adorou e propiciou Radha, a mais notável entre as Gopis ou vaqueiras. Ele pensou em obter a graça dela para realizar Sri Krishna. Devido à sua intensidade, em pouco tempo ele desfrutou de sua visão abençoada. Ele viu e sentiu a figura de Radha desaparecendo em seu próprio corpo.
Agora unido a Radha, ele manifestou o grande amor estático, o mahābhāva, que teve nela sua expressão mais completa. O amor de Radha é o precursor da visão resplandecente de Sri Krishna, e Sri Ramakrishna logo experimentou essa visão. A forma encantadora de Krishna apareceu para ele e fundiu-se em sua pessoa. Ele se tornou um com Krishna. Ele esqueceu totalmente sua própria individualidade e o mundo. Ele viu Krishna em si mesmo e no universo. Assim, alcançou a realização da adoração do Deus Pessoal.
Um dia, enquanto ouvia uma recitação do Bhāgavata, a escritura sagrada da vida de Sri Krishna, no templo do Sri Krishna de Dakshineshwar, ele entrou em um estado divino e viu a forma encantadora de Krishna. Ele viu que raios luminosos emanavam dos Pés de Lótus de Krishna na forma de uma corda robusta. Esses raios tocaram primeiro o Bhagavata (a Escritura Sagrada) e depois seu próprio peito, conectando todos os três - Deus Krishna, as escrituras e o devoto. Ele costumava dizer: "Depois dessa visão, percebi que Bhagavan, Bhakta e Bhagavata - Deus, Devoto e Escritura - são na realidade um e o mesmo."
Ele praticou Raja Yoga ou Kundalini Yoga com uma senhora ascética de nome Bhairavi Brahmani, de acordo com as injunções das escrituras. Depois dessa prática, o mundo inteiro e tudo nele apareceram como a līla, a encenação, de Deus Shiva e seu poder, Shakti. Ele viu em todos os lugares a manifestação do poder e beleza da Mãe. O mundo inteiro, animado e inanimado, apareceu para ele como permeado com Chit, Consciência, e com Ananda, Bem-aventurança.
O casamento de Sri Ramakrishna aconteceu com uma personalidade igualmente espiritual, Sri Sarada Devi. Ela também o ajudou a cumprir suas aspirações espirituais. Sri Ramakrishna a via como a manifestação da Mãe Divina. Mais tarde, em sua vida, vemos que depois de completar diferentes práticas espirituais, em uma ocasião auspiciosa, ele adorou Sri Sarada Devi e ofereceu todos os frutos de suas práticas espirituais aos seus pés. Isso é algo único na história religiosa.
Um monge mendicante, chamado Sri Totapuri, praticou as disciplinas austeras de não dualismo ou Advaita na margem do rio sagrado Narmada. Depois de quarenta anos, ele finalmente realizou sua identidade com o Absoluto. Daí em diante ele vagava pelo mundo como uma alma livre, um leão livre da jaula. Ele pertencia à linhagem da Ordem Hindu de monges estabelecida por Sri Shankaracharya, o principal entre os mestres da Filosofia Advaita. Ele conheceu Sri Ramakrishna e imediatamente entendeu que ele era uma pessoa apta a receber a iniciação no aspecto não dual da Verdade Final.
Sri Ramakrishna tornou-se seu discípulo e Totapuri ensinou-o a retirar sua mente completamente de todos os objetos e mergulhar profundamente no Atman (ser interior). Sri Ramakrishna com muita dificuldade elevou-se além do plano relativo com a ajuda de sua faculdade discriminatória e perdeu-se no Absoluto Brahman. Este estado se chama samadhi. Sri Ramakrishna permaneceu completamente absorvido em samadhi por três dias. Totapuri clamou com espanto: "É realmente verdade? É possível que ele tenha alcançado em um único dia o que levei 40 anos de prática extenuante para conseguir? Grande Deus! Não é nada menos do que um milagre!" Com a ajuda de Totapuri, a mente de Sri Ramakrishna finalmente desceu para o plano relativo. Sri Ramakrishna mais tarde descreveu a essência do que ambos concluíram. "Os aspectos pessoais e impessoais de Deus são os mesmos. Eles são como o leite e sua brancura, o diamante e seu brilho, e a cobra e seu movimento. É impossível conceber um sem o outro. A Mãe Divina e Brahman são um só." Após a partida de Totapuri, Sri Ramakrishna permaneceu por seis meses em um estado de identidade absoluta com Brahman. Seu corpo não teria sobrevivido, não fosse pela atenção gentil de um monge que por acaso estava em Dakshineshwar naquela época. De alguma forma ele percebeu que para o bem da humanidade o corpo de Sri Ramakrishna deveria ser preservado. Ele tentou vários meios para empurrar alguns bocados de comida goela abaixo de Sri Ramakrishna. Sri Ramakrishna recebeu o comando da Mãe Divina para permanecer no limiar da consciência relativa em um estado chamado Bhāvamukha. Ele permaneceu naquele estado o resto de sua vida.
O conhecimento de Brahman em samadhi convenceu Sri Ramakrishna de que os deuses e deusas de diferentes religiões são apenas diferentes leituras do Absoluto, e que a Realidade Final nunca poderia ser expressa pela língua humana. Ele entendeu que todas as religiões conduzem seus devotos por caminhos diferentes para um mesmo objetivo. Ele ficou ansioso para explorar algumas das outras religiões. Com ele, a compreensão significava experiência real.
Ele começou a praticar as disciplinas do Islã sob a direção de um Sufi Muçulmano, Sri Govinda Ray. Depois de três dias, Sri Ramakrishna teve a visão de uma pessoa radiante com uma longa barba. Então ele entrou em comunhão com Brahman, o aspecto sem forma de Deus com qualidades. Finalmente, sua mente se fundiu no Oceano do Brahman Absoluto.
Sri Ramakrishna foi tomado por um desejo irresistível de aprender a verdade da religião cristã. Ele começou a ouvir leituras da Bíblia, por Sambhu Charan Mallick. Sri Ramakrishna ficou fascinado pela vida e ensinamentos de Jesus. Um dia, ele estava sentado no salão da chácara de Jadu Mallick em Dakshineswar. Naquele momento, seus olhos se fixaram em uma pintura da Madona e da Criança. Atentamente observando-a, ele tornou-se gradualmente tomado com a emoção divina. As figuras da foto tomaram vida, e os raios de luz emanando delas entraram em sua alma. O efeito desta experiência foi tão forte que ele gritou: "Ó Mãe! O que você está fazendo comigo?” Então, ele entrou em um novo reino de êxtase. Jesus Cristo possuiu sua alma por três dias. No quarto dia, enquanto caminhava no jardim do templo, ele viu uma pessoa com belos olhos grandes, um semblante sereno e pele clara caminhando em sua direção. Quando os dois ficaram frente a frente, uma voz soou nas profundezas da alma de Sri Ramakrishna: "Veja o Cristo, que derramou o sangue de Seu coração pela redenção do mundo. Aquele que sofreu um mar de angústia pelo amor dos homens. É Ele, o Mestre Yogi, que está em eterna união com Deus. É Jesus, Amor Encarnado." O Filho de Deus abraçou o Filho da Mãe Divina e fundiu-se nele. Sri Ramakrishna percebeu sua identidade com Cristo, como ele já havia percebido sua identidade com Kali, Rama, Hanuman, Radha, Krishna e muitos mais deuses e deusas. O Mestre entrou em samadhi e comungou com Brahman sem forma com qualidades divinas. Assim, ele experimentou a verdade de que o cristianismo também era um caminho que levava à Consciência de Deus. Até o último momento de sua vida ele acreditou que Cristo era uma das Encarnações de Deus.
Sri Ramakrishna aceitou a divindade de Buda e costumava apontar a semelhança de seus ensinamentos com os dos Upanishads. Ele também mostrou grande respeito pelos Tīrthankaras, que fundaram o Jainismo. Ele também respeitava os dez Gurus do Siquismo. Sri Ramakrishna tinha, assim, percebido os ideais de outras religiões que não o hinduísmo. Porque todas as barreiras da mente foram removidas pelo seu amor irresistível por Deus. Ele tinha grande ardor em saber como Deus Supremo está sendo adorado e realizado através de diferentes caminhos. Pela vontade da Mãe Divina, os adeptos desses respectivos caminhos vieram até ele e ensinaram-lhe o que ele aspirava. Devido à sua mente pura e focada, ele pode alcançar o domínio nesses caminhos em um curto período. Foi assim que ele se tornou o Grande Mestre que poderia falar com autoridade sobre as ideias e ideais das várias religiões do mundo. Ele disse com a convicção da realização: "Um lago tem várias escadas. Em uma delas, os hindus pegam a água em jarros e a chamam de "jal". Em outro, os Muçulmanos pegam a água em sacos de couro e chamam de "pani". Em um terceiro os cristãos chamam de "água". Podemos imaginar que não é 'jal', mas apenas 'pani' ou 'água' ? Que ridículo ! A substância é uma com nomes diferentes, e todos estão buscando a mesma substância. Somente o clima, temperamento e o nome criam diferenças. Deixe cada homem seguir seu próprio caminho. Se ele sinceramente e ardentemente deseja conhecer Deus, a paz esteja com ele! Ele certamente vai realizá-Lo.